Desfazer hábitos incorretos de muitos motoristas ao instalar acessórios em seus carros é o grande desafio do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) nos próximos meses. Cabe a esse órgão, com ajuda de comissões temáticas, encaminhar as conclusões dos estudos ao Conselho Nacional de Trânsito para serem transformadas em resoluções com força de lei. Na verdade, tudo já foi exaustivamente analisado, mas a orientação anterior do Denatran era proibir o que não devia e liberar o que devia ser proibido.
Alfredo Peres da Silva, atual diretor, herdou a árdua tarefa de desengavetar. E sentiu que haverá fortes reações, se quiser fazer valer a lógica e o bom senso em prol da segurança no trânsito. Fabricantes de engates de reboque (falsos misturados com verdadeiros) fizeram passeatas e mobilizaram sindicatos para defender empregos. O próprio Denatran sinalizou com um recuo, espera-se, apenas momentâneo. Na realidade, os interessados querem desviar o foco do problema.
Qualquer motorista pode rebocar até 6 t (trailer só com carteira “E”), desde que utilize um engate seguro, seja fixo ou desmontável. A questão é simples: parou de puxar, tem que recolher o engate. Se isso não constar do primeiro artigo da futura lei, o modismo irresponsável continuará agravando os prejuízos. Logo surgirão engates desmontáveis de enfeite, apenas para proteger o pára-choque, além de lesionar pedestres. Algumas companhias de seguro avaliaram os prejuízos e já cobram mais dos justiceiros que querem impor respeito à traseira, conforme a propaganda de alguns dos 150 fabricantes de engates. Por coerência, também se deveria impedir, como ocorre na Europa, o uso de quebra-mato ou estruturas protuberantes, por agravar as conseqüências de um atropelamento. Certos modelos teriam que abandonar esse recurso de (mau) estilo.
Embate maior será contra o uso irregular de películas escurecedoras nos vidros dianteiros. Criou-se uma falsa áurea de segurança pessoal, desprezando os riscos de baixa visibilidade, em especial de noite, em túneis ou em dias de chuva e neblina. O Denatran homologará um aparelho de medição de transparência, mas talvez nem fosse necessário. Boa parte dos veículos atuais sai de fábrica com vidros dianteiros na transparência mínima permitida e não poderiam usar nenhum tipo de película. O efeito visual de carro funerário, destacando vidros traseiros bem mais escurecidos, desencorajaria quem confunde o ambiente de automóvel com o de boate. Resta saber se veículos oficiais também serão obrigados a limpar os vidros dianteiros, pois a lei é para todos.
O Contran acertou na liberação de navegadores de bordo que utilizam mapas digitais, embora obrigando a imagem a desvanecer da tela com o carro em movimento, o que tira boa parte de sua funcionalidade. É algo irrelevante para a segurança, além da fiscalização complicada. Muito já se discutiu sobre distração como causa de acidentes, mas não há provas cabais de que navegadores e celulares sejam considerados vilões. Existem milhões deles em uso no mundo. Manteve, no entanto, corretamente, a permissão de imagens de TV e DVD, no painel frontal, só com o veículo parado.