Troller: foi um sonho bom enquanto durou.
Pessoal,
O que me motivou a gastar muito tempo para escrever isto, foi a opinião de nosso companheiro de Portugal, o Zé Augusto Bagorra. Num mundo moderno, educado, evoluído, a visão dele é muito atual :
“todos os jipeiros brasileiros deveriam se unir para comprar o maior número de ações em Bolsa que eventualmente haveria, ou dialogar diretamente com a empresa para entrar como sócios e evitar o desfazer dos vossos sonhos e concretizações de ter um produto BRASILEIRO, seja desfeito por essa MAFIA".
Só que a nossa realidade é outra: a empresa que se “deixou vender” na verdade sempre quis ser comprada. Seus poucos controladores jamais correriam o risco de dividir o que quer que seja com outros, abrindo o capital em bolsa. Portanto, comprar ações não é uma opção. Da mesma forma, a postura deles jamais foi de abrir qualquer canal de diálogo com seus sempre fiéis e apaixonados clientes: se nunca o fizeram nem mesmo para acatar sugestões de melhoria de produto, porque o fariam para outra razão qualquer? E, quanto à Máfia, é preciso entender melhor a verdadeira e um tanto obscura história da TVE - Troller Veículos Especiais – para poder qualificar com propriedade quem é a verdadeira Máfia.
Em 1999, a TVE foi comprada por um empresário cearense do setor textil e começou a aparecer como a promessa de uma grande marca no segmento off-road no Brasil.
Recebeu o motor diesel MWM, algumas melhorias e, acima de tudo, uma inteligente estratégia de maketing emocional, baseada na “brasilidade” do carro: O Brasileiro do Paris-Dakar, fabricado por cearenses que comem feijão com arroz. Foi vice-campeão (com tintas de “campeão moral” só porque era um “pobre” brasileiro) da obscura categoria “diesel” do Dakar de 2001 ou 2002, não me lembro. (Aliás: alguém sabe qual foi a classificação geral? Ou quem foi o campeão desta categoria nas demais edições do Dakar? Alguém já ouviu o relato do Varella e do Fadigatti sobre a realidade daquele Dakar? Bom: deixa prá lá...).
Depois, apareceu a Copa Troller, cujo principal patrocinador (Ipiranga) também se preparava para fazer uma venda milionária, (concretizada há uns 2 meses) dando a ambas as empresas, pequenas em seus respectivos mercados, enorme visibilidade, sempre “criando notícia para aparecer”.
Neste meio tempo, a TVE ia “ajeitando” o carro: todos os “melhoramentos” feitos no T4 diesel em suas diversas “fases” (direção, freios, transmissão, roda livre, etc) não passam de ajustes para tentar minimizar profundos erros de projeto. Tanto que, até hoje, passados 8 anos, o carro continua com gravíssimos defeitos de origem. É por isso que vemos toda a semana proprietários de Troller (antigos e novos) reclamando sempre dos mesmos problemas: o carro não freia, o carro não anda em linha reta, o carro enche de água, a pintura descasca, o banco quebra e machuca as costas, a transmissão quebra, a roda livre detonou, as pastilhas de freio trazeiras se acabaram com 15 mil km, o vidro elétrico não funciona, e por aí vai. Até mesmo a substituição do antigo MWM 2.8 pelo novo International 3.0 não passa de uma exigência legal (atender a normas de emissão de gases mais rígidas), que foi feita sem os cuidados necessários no que diz respeioto a adaptações para sua nova potência e desempenho (principalmente freios e estabilidade).
Para criar mais notícia no mais puro espírito de “repita uma mentira 1000 vezes até que ela se torne uma verdade”, a TVE “lançou” a pick-up Pantanal umas 4 ou 5 vezes, ao longo de uns 2 anos e meio... Uma palhaçada! Era release para a imprensa, exposição no Salão do Automóvel, notícia em tudo que é revista... E, nunca emplacou!
Um fabricante consciente, que pretenda crescer e permanecer num mercado cada vez mais exigente, sabe que tem que oferecer uma rede de assistência técnica competente e confiável. A da TVE é uma piada: nunca teve sequer um manual de oficina. Nunca treinou pessoal. Nunca teve uma política de garantia. Jamais foi confiável. Tudo sempre foi na base do quebra galho, do “fulano é um puta mecânico”, do favorecimento, do quem grita mais pode mais. Como se pode pensar que uma empresa que atue assim tenha uma estratégia de permanência no mercado???
Até mesmo as companhias de seguros, que não estão aí para perder dinheiro, sinalizaram claramente: com a péssima (para não dizer inexistente) política de fornecimento de peças de reposição da TVE (quando tem a peça, é caríssima), as lojas de peças do “mercado paralelo” da Cursino & região, começaram a organizar seus estoques com peças de “procedência duvidosa”. O alto índice de roubos de Troller que se seguiu, aliado ao carro ser perigoso para o motorista mediano e potencialmente sujeito a acidentes graves e de indenizações altas, fez com que as seguradoras impusessem inúmeras restrições para fazer o seguro de um Troller. Existem algumas exceções a poucos e fieis clientes, só para mantê-los em apólices mais importantes (de suas fábricas, casas, BMWs, Mercedes, lanchas, aviões, etc.)
Mas, isto tudo nunca incomodou os principais acionistas da TVE. Tudo sempre esteve clara e inteligentemente planejado. A empresa contava com um poderoso financiamento do BNDES e um amplo pacote de incentivos fiscais, que viabilizava sua operação. Sem estas “benesses”, a empresa seria inviável e/ou o preço do Troller seria impraticável.
Quem olhasse com atenção, perceberia que durante estes 8 anos a TVE jamais se comportou como quem está no mercado para crescer e para se consolidar como fabricante na indústria automotiva. Veria que tudo sempre foi um jogo muito bem armado para valorizar artificialmente a marca Troller (não o carro) e vender as “facilidades” obtidas dos financiadores. Detalhe: por um valor obcenamente superior ao que foi comprado além de deixar a conta dos empréstimos para outros pagarem...
Pensando ainda em quanto tempo depois de contraído um BNDES começam a vencer as primeiras parcelas, fica mais fácil ainda compreender que a TVE de 1999 nasceu com data para morrer! Nunca iria passar de 8 anos em poder do mesmo dono.
Mas, como enxergar com a visão embaçada pela paixão e alimentada pela emotiva estratégia de marketing? O Troller é rei em terra de cego! Nosso repertório é mínimo! Seus concorrentes são velhos CJs, JPXs, Samurais CJotados, e outros bichos. As lendárias Defender, vistas como inglesas feiosas, caras, lerdas e pesadas, são desprezadas pela garotada deslumbrada que associa Trollers a “brasileiras gostosinhas” e acham o máximo! Num contexto internacional, o Troller nem obteria autorização para circular! E, apanharia de muita gente em termos de performance, conforto, segurança, confiabilidade, economia. Sem falar em honestidade, sustentabilidade, respeito ao meio ambiente e outros valores que só agora começam a ser aborados porque a “água já está batendo na bunda”.
Resumindo: o Troller morreu de morte matada por seus próprios criadores, que tinham como único objetivo encher-se de dinheiro em pouco tempo, usando benefícios fiscais e outras “mágicas” disponíveis na nossa pobre economia. Bom pra eles. Ruim pra quem ficou órfão da TVE. Pior para quem acredita no Papai Noel, Coelho da Páscoa, nota de R$3,00, Fábrica de Automóveis Presidente, Marruá, ressureição do Troller, e outras miragens.
Troller: foi um sonho bom enquanto durou.
Xavier