Mercedes-Benz há 95 anos cruzava a África
Veículo motorizado realizou uma aventura de 9.500 km em 630 dias





A primeira travessia da África de carro foi realizada com sucesso há 95 anos. Em 1 de maio de 1909, Paul Graetz chegava a Swakopmund na Namíbia atual - antigamente era a África Ocidental Alemã - em seu veículo especial produzido pela Süddeutsche Automobilfabrik Gaggenau GmbH, uma companhia que mais tarde se tornou a Benz-Werke Gaggenau.

A realização marcante de Graetz pode ser bem exemplificada por um número: em média, eram percorridos apenas 15 km por dia. Ao final, a jornada de mais de 9.500 km foi completada em 630 dias. Graetz iniciou a aventura em 10 de agosto de 1907, em Dar es Salaam, na Tanzânia de hoje. Graetz tinha planejado atravessar a África em doze meses, mas a travessia na realidade levou um ano e dez meses.

Durante a jornada, ele enfrentou tudo o que um continente como a África tinha - e ainda tem - a oferecer em termos de condições adversas. Mesmo em um fora-de-estrada equipado com a mais moderna engenharia da época, a viagem ainda seria uma aventura para os padrões de hoje.

O veículo de Graetz foi construído pela Süddeutsche Automobilfabrik Gaggenau e finalizado com uma carroçaria especial do construtor Neuss, sediado em Berlim. O chassi de ônibus tinha rodas especialmente grandes no formato 1120/120 e blocos de madeira embaixo das molas laminadas para aumentar a distância do solo: o ponto mais baixo do veículo estava 35 cm acima do solo.

Motor do veículo desenvolvia 35 cavalos de potência

Em seu livro "Im Auto quer durch Afrika" ("Através da África de Carro") publicado em 1910, Graetz descreveu o veículo assim: "A carroçaria tem uma capota mole americana e dobrando os assentos dianteiros, duas camas confortáveis podem ser criadas". Como era costume na época, o volante estava no lado direito. O moderno motor de quatro cilindros com ignição magnética e refrigeração a água desenvolvia 35 cavalos de potência e acionava o eixo traseiro através de correntes; as engrenagens da transmissão eram intercambiáveis para permitir ao veículo escalar colinas mais inclinadas.

Um tanque de gasolina de 250 litros era montado embaixo dos assentos traseiros, e um segundo tanque com 145 litros de capacidade ficava na frente. Um tambor de chapa metálica para provisões era acomodado no recesso proporcionado pelos quatro estepes na traseira do veículo.

Paul Graetz, um primeiro tenente do exército de proteção da África Oriental nasceu em Reichenau perto de Zittau/Saxônia, em 24 de Julho de 1875. Ele estava convencido das capacidades do automóvel e se esforçou em provar com sua empreitada que veículos motorizados eram capazes de enfrentar longas e difíceis rotas, e que eles eram adequados para levar cargas pelo interior do continente africano - cargas que, naquela época, eram levadas por camelos, em carros de boi e nas cabeças dos nativos.

À medida que seu plano de atravessar a África, de leste a oeste, amadurecia, ele não conseguia apoio, pois ninguém acreditava que seria capaz de realizá-lo. Finalmente, Graetz teve que investir seus próprios fundos em sua empreitada. Ele estimou um custo total de 75.000 marcos ouro. Apenas o automóvel consumiu 13.000 marcos ouro; a viagem em si devoraria o dobro da quantia estimada. Graetz mandou construir o veículo durante uma viagem de férias na Alemanha em 1904. Entretanto, outros três anos se passariam antes que ele chegasse a Dar es Salaam no navio "Feldmarschall".

Graetz recebeu uma licença do serviço militar para a sua empreitada que deveria ser planejada com grande precisão. Não havia praticamente nenhuma estrada, de forma que teve que usar trilhas ou rotas de caravanas - estas últimas com larguras não maiores que a largura de um camelo. Planejar os estágios individuais provou claramente ser a parte mais difícil dos preparativos, porque era uma questão de garantir os suprimentos com combustíveis e alimentos ao longo da rota.

O aventureiro especificou as localizações de 24 postos avançados e contratou companhias, missões e fazendeiros para enterrar barris de gasolina, latas de óleo, pneus, câmaras, e outras peças de reposição nestes locais. Ele tinha uma forma pouco convencional mas efetiva de marcar os postos avançados para identificá-los e prevenir o roubo, especificamente por meio de simples cruzes com o nome "Graetz"" nelas.

O aventureiro utilizou mais de 6 mil litros de gasolina

Ele tinha um total de 6 mil litros de gasolina, mais de 200 litros de óleo, 25 pneus e 33 câmaras depositadas - e ele encontrou a maioria dos suprimentos na jornada, algo que beirava um milagre devido à duração da travessia.

Em 3 de agosto de 1907, Graetz chegou a Dar es Salaam junto com seu companheiro de viagem, Theodor von Roeder, e o motorista Neuberger, um mecânico treinado na fábrica de Gaggenau. A caixa de madeira que continha o automóvel, pesando duas toneladas e meia, foi cuidadosamente descarregada nas docas.

O veículo foi desembalado e todos os fluídos necessários para o funcionamento do motor foram abastecidos. Um giro na manivela de partida e o motor ligou proporcionando a confiança que a empreitada seria um sucesso em termos técnicos. Desnecessário dizer que o carro causou uma grande sensação, porque veículos motorizados eram poucos e muito distantes entre si na África daquele tempo.

Além disso, o veículo tinha uma aparência marcante por causa de suas grandes rodas. Graetz contratou ainda um cozinheiro local, Mtsee, para cuidar da pequena equipe de aventureiros. Desde o princípio, eles planejaram viver não apenas de comida enlatada, mas pretendiam caçar animais para conseguir carne fresca. Os rifles também seriam úteis para afastar predadores.

Agosto de 1907: começava a aventura

Nos primeiros passeios por Dar es Salaam, a equipe se deu conta que o veículo estava pesado demais. Bagagem e provisões foram reduzidos ao absoluto essencial, pára-lamas e sistema de exaustão foram removidos. Daí em diante, o motor rugia com grande sonoridade e provocou um apelido para Graetz: os africanos chamavam-no de "Bwana Tucke Tucke", que é traduzido como "Mestre do Veículo Motorizado". Finalmente tudo estava pronto e a equipe partiu às 17 horas, em 10 de agosto.

Graetz descreveu sua partida em seu livro: "O sol já estava baixo em um céu meio nublado quando os telegramas relatando a partida foram enviados para a Europa do correio de Dar es Salaam e o veículo partiu, acompanhado pela saudação de uma grande multidão, ao longo da avenida alinhada de acácias em direção a Pugu, destino de nosso primeiro dia a 20 km de distância. Uma trilha de areia cheia de curvas e uma colina de 20% foi a primeira oportunidade do motor passar por seu primeiro teste com louvor".

Durante os meses seguintes, contudo, a equipe raramente progrediu com tanta rapidez. Ao contrário. Os caminhos não eram simplesmente feitos para veículos; eram muito estreitos, irregulares e cheios de obstáculos que não eram problema para humanos ou animais, mas faziam um veículo motorizado parecer um monstro imóvel. A idéia de Graetz de equipar o veículo com grandes rodas para uma generosa altura do solo provaram ser um mínimo de visão. Apesar disto, o veículo tinha que ser empurrado ou rebocado por longas distâncias por muitas vezes, freqüentemente com a ajuda de nativos.
Grandes obstáculos exigiam esforços maiores: para evitar que o veículo afundasse em pântanos, foram construídos caminhos com toras. Não havia barcas para a travessia dos rios, nem pontes sobre desfiladeiros suficientemente fortes para suportar o veículo, e havia colinas inclinadas demais para o veículo escalar. Assim, o veículo tinha que ser desmontado - 32 vezes ao todo - e carregado através dos obstáculos em partes com a ajuda de nativos.

Foram construídas 28 pontes durante a viagem

Uma quantidade de 28 pontes provisórias foram construídas. A parada mais longa foi causada quando o veículo atolou bem no meio de um rio: dois dos quatro cilindros quentes estouraram quando entraram em contato com a água fria.

O motorista Neuberger viajou de volta para a Alemanha para buscar cilindros de reposição. Os testes e obstáculos da jornada aparentemente tinham sido demais para ele: depois de três meses, outro mecânico retornou da fábrica de Gaggenau, e a jornada continuou. No curso da travessia, Graetz "gastaria" quatro motoristas que também tinham que atender aos problemas mecânicos do veículo de vez em quando.

A engenharia pode ter sido robusta, mas sob as duras condições na África, surgiram alguns defeitos que, na ausência das peças de reposição, tinham que ser consertados com talento de improvisação. Entretanto, isto não desanimou a equipe; pequenos problemas eram parte integrante da vida dos motoristas nos primeiros anos do automóvel.

Dirigindo no leito de uma linha férrea, Graetz foi igualmente aventureiro: não apenas pela irregularidade causada pelos dormentes, mas como seria de se esperar, encontraram um dos raros trens da época. O motorista foi capaz de desviar, em cima da hora, o automóvel para os arbustos.

Condições climáticas também tornavam a vida difícil para Graetz e seus companheiros. Eles sofreram com as altas temperaturas e umidade, tempestades de areia e foram atormentados pela sede. Ataques de malária de vez em quando forçavam-nos a descansar. Mas a jornada também tinha seus momentos compensadores. Perto de Victoria Falls, Graetz foi a primeiro a atravessar a ponte do rio Zambezi em um veículo motorizado, e o oficial anotou na licença: "Primeiro carro motorizado a atravessar a Ponte do Rio Zambezi".

Eventualmente, a equipe ficou sem dinheiro. A empreitada era extremamente cara. Mas Graetz uma vez mais encontrou uma maneira de contornar a situação: ele tinha tirado um grande número de fotografias na viagem e, assim, saiu numa nova jornada pelas cidades alemãs onde relatou sobre sua travessia. O dinheiro que ganhou com suas conferências permitiu a ele continuar a jornada.