Contudo, devo dizer que o nome está com os dias contados:
Juiz proíbe o registro de nascimento de pessoas com o prenome Shana, Chana ou Xana
O bem jurídico tutelado é a identidade, que se considera como atributo ínsito na personalidade humana".
Vistos etc.
Trata-se de pedido de RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL formulado por SHANA xxx , qualificada na inicial, representa por seus genitores, por procurador, objetivando alteração de seu prenome para GIULIA.
Refere, em síntese, que em virtude de seu prenome é alvo de chacota e de constrangimento por seus colegas de aula e amigos, pois na gíria a palavra Shana é usada com sentido pejorativo, como sinônimo do órgão sexual feminino. Embora grafada com X o som da palavra é o mesmo. Junta jurisprudência e cópias de páginas de saites da internet.
A representante do Ministério Público exarou parecer, opinando pelo deferimento do pedido.
Relatei. Decido.
I - A Lei n.º 6.015/73 estabelecia, em seu art. 58 (1), ser imutável o prenome, salvo nas situações reguladas no seu parágrafo único e no art. 55, parágrafo único. Entretanto, mesmo fora das exceções disciplinadas, não se podia aceitar de forma absoluta essa imutabilidade. Os tempos mudaram, evoluíram, estamos no século XXI e os direitos fundamentais da pessoa humana devem acompanhar essas mutações, criando, inclusive, novos fatos e situações jurídicas, passíveis de ingresso em novas normas legais.
A Lei n.º 9.708/98 deu nova redação ao citado art. 58, assim dispondo (in verbis):
"Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.
Parágrafo único. Não se admite a adoção de apelidos proibidos em Lei".
Não obstante a atual redação desse artigo, entendo, ainda, não ser possível aceitar essa definitividade ao prenome, mesmo sem ser situação de substituição por apelido público notório, mas sim de alteração por outro prenome, como também nas situações elencadas na antiga redação do dispositivo legal em questão.
Prenome é a primeira parte do nome da pessoa, grafado no ato da lavratura do assento de nascimento, para individualização de seu portador. É completado pelo "sobrenome" ou nome de família, que compreende o denominado patronímico", de origem materna e paterna, formando o nome civil da pessoa natural. Podem ser simples ou compostos (prenomes e patronímicos), consoante se formam de uma ou mais de uma expressão designativa.
O nome, então, é apenas e simplesmente uma situação objetiva legal, ou representa ou tem algum significado maior ao seu portador? Cabe, então, questionar-se: O que se entende geralmente por nome?
Cícero já o elucidava em uma frase que De Cupis tomou para epígrafe de importante monografia: "Nomen est, quod uni cuique personae datur, quo suo quaeque proprio et certo vacabulo appellatur." R. Limongi França (Do Nome Civil das Pessoas Naturais, RT, 3ª ed., p. 20) propõe, para tal expressão, a seguinte tradução:
"Nome é o vocábulo que se dá a cada pessoa, e com o qual é chamada, por ser o seu designativo próprio e certo."
A identidade, que é um direito fundamental da pessoa humana, inaugura os direitos de cunho moral, exatamente por se constituir no elo de ligação entre o indivíduo e a sociedade em geral. O bem jurídico tutelado é a identidade, que se considera como atributo ínsito na personalidade humana (Carlos Alberto Bittar, Os Direitos da Personalidade, Forense Universitária, 1ª ed., pp. 120/121).
O abalizado Prof. W. de Barros Monteiro, com referido por José Serpa de Stª Maria (Direitos da Personalidade e a Sistemática Civil Geral, Ed. Julex Livros, 1ª ed., 1987, p. 132), define o nome como o sinal exterior pelo qual se designa, se identifica e se reconhece a pessoa no seio da família e da comunidade.
II - Carlos Fernández Sessarego (Revista de Direito Civil, nº 56, p. 7), preleciona:
"El derecho a la identidad personal es uno de los derechos fundamentales de la persona humana. Esta especifica situación jurídica faculta al sujeto a ser socialmente reconocido tal como el es y, correlativamente, a imputar a los demás el deber de no alterar la proyeccion comunitária de sua personalidad. La identidad personal es la manera de ser como la persona se realiza en sociedad, con sus atributos y defectos, con sus caracteristicas y aspiraciones, con su bagage cultural e ideológico. Es ele derecho que tiene todo sujeito a ser él mismo".
III - A conotação pejorativa da palavra que constitui o prenome da requerente (apresenta o mesmo som, mesmo que grafado com X ou CH) e sua utilização como sinônimo ou denominação do órgão sexual feminino, está evidenciado nos inúmeros sites da internet, conforme documentos acostados aos autos, o que impõe o deferimento da alteração do seu prenome, em razão dos visíveis constrangimentos que o mesmo lhe vem proporcionando e continuará a lhe acarretar ao longo dos tempos.
Impõe-se, também, o deferimento da pretensão deduzida na inicial, como forma de proporcionar à postulante que o seu prenome, que é seu designativo próprio e certo, seja instrumento para integração com a sociedade e que a postulante, na expressa de Sessarego, tenha o direito de "ser él mismo", sem qualquer constrangimento a prejudicar o desenvolvimento de sua personalidade e do seu elo de ligação com a sociedade em geral.
IV - Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, formulado por SHANA xxx , determinando que o seu nome seja alterado para GIULIA, em seu assento de nascimento, permanecendo os demais dados inalterados.
Atribuo efeito normativo à presente decisão, para vedar, nos Ofícios de Registro Civil das Pessoas Naturais desta capital, a lavratura de assentos de nascimento com o prenome SHANA, mesmo que grafado com X ou CH, com fundamento no art. 55 da Lei dos Registros Públicos e arts. 73, VII, 84, VIII, do Código de Organização Judiciária do Estado. Envie-se cópias.
Mandado, após o trânsito em julgado. Custas "ex lege". Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Antonio C A Nascimento e Silva, juiz de Direito
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Notas:
1 - Art. 58- O prenome será imutável.
Parágrafo único. Quando, entretanto, for evidente o erro gráfico do prenome, admite-se a retificação, bem como a sua mudança mediante sentença do juiz, a requerimento do interessado, no caso do parágrafo único do art. 55, se o oficial não o houver impugnado.