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Ver Versão Completa : Diálogo com um ET



Sukys
08/08/2004, 02:41
O texto abaixo foi extraído de um diálogo ocorrido entre um ET e um jipeiro (no começo da Jipenet), na última Convenção Interplanetária sobre Segurança, Coerência e Meio Ambiente, evento que ocorreu em conjunto ao VII Encontro dos Adoradores da Lei de Gerson.

ET: O que é ser jipeiro?

JP: Ser jipeiro é praticar uma modalidade esportiva que tem como objetivo o desenvolvimento físico e intelectual, proporcionado pela transposição de obstáculos naturais, fazendo uso de um veículo automotor. É uma prática geralmente feita em grupos, o que aumenta o bom relacionamento entre as pessoas, e sempre ao ar livre, em perfeita harmonia com a natureza.

ET: Deve ser um esporte muito bom, posso ver o seu veículo?

JP: Lógico que pode, está logo aí...

ET: Uau, que bela espaçonave, ops... veículo!

JP: Pois é... é importado, tem direção hidráulica, embreagem hidráulica, freio servo-assistido, tração nas quatro com bloqueio automático, pneus 38” Big Monster, câmbio automático, motor turbo com injeção de NOx, guincho para 18000 lbs, ar condicionado, insufilm, geladeira, porta-copos, banco de couro, carpete 20mm, PX, PY, PQP, GPS, Bip, celular da Nextel, celular digital, celular por satélite, toca CD, amplificador com 500 watts, 15 autofalantes, geladeira, trava elétrica, vidros elétricos, air bag frontal e lateral, seis amortecedores por eixo, SPOA, quebra-mato, quebra-galho, quebra-tronco, detetor de radar, snorkel, bagageiro, macaco Hilift, macaco jacaré, cinta para reboque em Kevlar, patescas de titânio, tifor, proteção de carter, de câmbio, de diferencial, relóginhos do painel com fundo brando, navegômetro, inclinômetro, bússola e pintura metálica perolizada.
Ah, já estava quase que esquecendo, o canivete suíço veio de brinde!

ET: Para ser jipeiro é preciso ter tudo isso?

JP: Lógico que não, mas como o meu vizinho tem...

ET: Seu vizinho é jipeiro?

JP: Lógico que não, mas ele tem um canivete suíço com vinte funções, e o meu só tem quinze!

ET: Você usa muito este canivete suíço?

JP: Nunca usei, mas sabe como é, nunca se sabe quando pode ser preciso...

ET: E esta espaçonave, ops... veículo, precisa de tanto acessório?

JP: Precisar não precisa mas ajuda...

ET: Ajuda em que?

JP: Oras, ajuda em não ter que fazer força para dirigir, o Off Road é muito cansativo.

ET: Mas o cansaço em dirigir não é uma forma de exercitar o corpo?

JP: Pode até ser, mas eu faço exercício em academia de ginástica.

ET: Ah, entendi, vocês tem outro método gratuito para fazer exercícios...
JP: Gratuito que nada, eu gasto a maior grana com a academia!

ET: Estou começando a entender, você vai à academia porque lá tem muitas fêmeas da sua espécie, certo?

JP: Que nada, lá só tem homem e o cheiro de suor é dose prá elefante!

ET: Acho que não estou entendendo...

JP: Deixa prá lá, sobe no jipe para darmos uma voltinha, mas antes limpa os pés para não sujar o carpete!

ET: Posso sentar no banco? A vaca que emprestou o couro para a forração dos bancos não vai reclamar?

JP: Engraçadinho...

ET: Faz parte...

ET: Interessante esta sua roupa em tons de verde. É uma espécie de uniforme de jipeiro?

JP: Quase, é uma roupa usada pelos militares do exército, para camuflagem.

ET: Você é militar?

JP: Não!

ET: Então porque usa?

JP: Porque lembra mato.

ET: Mas uma roupa que lembra mato, no meio do mato, não vai te tornar quase que invisível?

JP: Acho que vai, mas não é esta a intenção.

ET: E qual é a intenção? Não responda! Essa eu já entendi, você quer ficar invisível quando for fazer um cocôzinho básico no meio do mato, certo?

JP: Quer ouvir um som?

ET: Quero, tem música sertaneja? Me disseram que este tipo de música tem muito a ver com as coisas da terra...

JP: Só tenho rock bate-estaca e new age.

ET: New age?

JP: É um estilo de musica onde o som tecnológico entra em harmonia com os elementos da natureza.

ET: Como assim?

JP: Escuta só esta música, tem sons sintéticos que lembram pássaros...

ET: Não seria mais interessante ouvir o som dos pássaros que tem lá fora?

JP: Nem pense em abrir a janela, o ar condicionado está ligado!

ET: Mas, e o contato com a natureza?

JP: Agora não, a estrada é de terra e a poeira gruda no carpete.

ET: Olha lá, tem um jipe vindo em nossa direção!

ET: Piscou farol...

ET: Buzinou...

ET: Acenou com a mão...

ET: Que legal, isso parece uma irmandade!

ET: Eu disse que isso parece uma irmandade, tá me ouvindo?

JP: Estou, mas “aquilo” que passou não é um jeep, é um jipe, por isso não acenei.

ET: E qual é a diferença?

JP: É uma questão de semântica, você não vai entender. Agora se segura que vamos passar pelo trecho mais difícil deste caminho.

ET: É muito difícil?

JP: Lógico que foi!

ET: Foi? Já passou?

JP: Lógico que já passou! Com o meu importado, que tem direção hidráulica, embreagem hidráulica, freio servo-assistido, tração nas quatro com bloqueio automático, pneus 38” Big Monster...

ET: E pintura metálica perolizada, ok... mas cadê a graça? Com esta espaçonave, ops... veículo, cheio de mumunhas e traquitanas não tem obstáculo que façam frente!

JP: Ah, mas você esquece que eu tenho braço!

ET: Quer dizer, experiência?

JP: Lógico! Fiz um curso teórico de fim de semana pela internet, com direito a simulador real time que se integra perfeitamente com a natureza!

ET: Na internet tem curso que ensina a usar canivete suíço?

JP: Tem, mas só para canivete com dez funções. As outras funções ainda estão sendo pesquisadas.

ET: Pelo fabricante do canivete?

JP: Não, por uma instituição de paranormais!
ET: A mesma que promove o curso teórico de direção?

JP: Engraçadinho!

ET: Faz parte...

ET: Ei! Que lugar estranho é esse?

JP: É um desmanche de veículos.

ET: Ah, é um lugar onde os veículos velhos são desmanchados para reciclagem...

JP: Nem todos são velhos....

ET: Ah, é um lugar onde os veículos velhos ou acidentados são desmanchados para reciclagem...

JP: Nem todos são acidentados...

ET: Então explica que eu não estou entendendo!

JP: Tem certos lugares aqui na Terra em que a gente não explica e nem pergunta. É só chegar, escolher o que quer, pagar e ir embora.

ET: Uau! Estamos na zona do meretrício!

JP: Deixa de ser tapado! Por acaso você está vendo alguma mulher?

ET: Não, mas você disse que é só chegar, escolher o que quer, pagar e ir embora...

JP: Zona de meretrício tem luz vermelha na porta das casas.

ET: E o que é aquela luz vermelha piscando atrás da gente?

JP: Aquilo é luz de giroflex, de carro de polícia.

ET: E o que eles estão fazendo aqui?

JP: É que tem muito desmanche que vende peças roubadas.

ET: Dessa vez eu não perguntei nada, foi você que falou...

JP: Faz parte!

ET: Esse refrão é meu! E o que você veio fazer aqui?

JP: Vim comprar um escapamento usado para o meu importado.

ET: Por que num desmanche?

JP: Porque na autorizada eles cobram os olhos da cara!

ET: Você não sabia disso quando comprou a espaçonave, ops... o importado?

JP: Você vem comigo ou vai ficar aí, sentado?

ET: Vou com você sim, mas vou passar pela janela assim não gasto o mecanismo para abrir a porta...

JP: É bom mesmo, já que é difícil adaptar maçaneta de DKW no meu importado e a peça nova custa os olhos da cara!

ET: É este o escapamento que você vai comprar?

JP: É sim!

ET: Mas sem catalizador?

JP: Lógico! O catalizador só tem na autorizada...

ET: E custa os olhos da cara, eu sei... eu sei... mas, e a emissão de poluentes?

JP: Que tem ela? Eu uso o jipe mais no mato que na cidade.

ET: Mas isso não agride a natureza?

JP: Uma fumacinha a mais ou a menos não vai fazer diferença.

ET: Falando em fumacinha, cadê sua nave? Foi abduzida?

JP: Cacete! Roubaram meu importado, e junto levaram a minha direção hidráulica, embreagem hidráulica, freio servo-assistido, tração nas quatro com bloqueio automático, pneus 38” Big Monster...

ET: Mas sobrou o canivete suíço que está no chaveiro!

JP: E agora, o que eu faço?

ET: Vamos até a seguradora receber o valor do seguro e...

JP: O seguro venceu mês passado!

ET: E por que não refez?

JP: Porque seguro de importado custa os olhos da cara e um amigo do tio da vizinha do meu sobrinho estava dando um jeitinho de conseguir um seguro mais em conta.

ET: Porque o seguro custa tão caro?

JP: Porque roubam muitos carros.

ET: E onde vão parar esses carros?

JP: Boa parte vai para desmanches, onde são vendidos em partes.

ET: E tem gente que compra essas partes?

JP: Lógico que tem! O preço é mais em conta que na autorizada, que cobra os olhos da cara...

ET: Como este toca CD, que está sendo vendido por 50 mangos e vem com um monte de CD’s de música new age grátis?

JP: Deixa prá lá, eu já estava mesmo querendo me desfazer do importado.

ET: Por que?

JP: Porque já estava com dois anos de uso e tinha um monte de coisas para trocar.

ET: Tipo?

JP: Tipo coisinhas simples, como pastilhas de freio, algumas pecinhas do câmbio, sensor do ar, sensor do óleo, sensor da água, sensor do freio, sensor da tração, sensor do aquecimento dos bancos de couro, óleo de motor...

ET: Correias, amortecedores...

JP: Amortecedores não! Os amortecedores eu troquei no ano passado. Você acredita que eu achei no desmanche um jogo de amortecedores de Kombi 62 que serviram direitinho no importado?

ET: Estou começando a acreditar em tudo, até em canivete suíço Made In Paraguai...

JP: O meu não é paraguaio!

ET: Então por que nele está escrito “suíço” com dois esses?

JP: Quente hoje, não?

ET: Já que a sua nave estava tão ruim, o que você ia fazer com ela, antes do roubo? Doar para algum desmanche, para ser reciclada?

JP: Doar coisa nenhuma! Tem uma lista de jipeiros na internet e vez por outra aparece algum mané por lá, querendo comprar jipe de médico, que nunca fez trilha.

ET: Mas você não é médico e a sua nave só fez trilha!

JP: Mas o importado está no nome do meu cunhado que é médico e que mal tira o carro da garagem.

ET: O carro dele e não o seu!

JP: Mero detalhe, coisa insignificante...

ET: E agora, vai comprar outro importado?

JP: Desisto! Agora só vou de jipe velho.

ET: Mas jipe velho é seguro? Vale a pena?

JP: Lógico que vale a pena, além do que é muito gratificante ver o bichinho criando vida aos poucos...

ET: Você fala das baratas que fazem ninho naqueles bancos rasgados?

JP: Acho que hoje vai chover...

ET: Quem vai fazer a manutenção do seu novo-velho jipe?

JP: Eu conheço uma ótima oficina, especializada em veículos nacionais e importados de todas as marcas, inclusive Brastemp, Vigorelli, Caloi... sabe como é, nesses dias de globalização quem não se globaliza fecha as portas...

ET: Essa oficina é do Hans Donner?

JP: Não, Globeleza é outra coisa...

ET: Vai colocar acessórios no seu novo-velho jipe?

JP: Lógico que vou! Já estou até imaginando: motor diesel de FNM com cabeçote de Opala seis canecos, carburador de Fusca, kit Rodogás, dois bujões de 13 quilos de GLP, diferencial de Chevette com planetárias soldadas (na frente o diferencial fica ôco, sou bom de braço e carro traçado é coisa de boiola), câmbio de Passat TS, caixa de redução de moedor de cana, pinças de freio de Romisetta, freio de estacionamento adaptado de carrinho de feira, Snorkel feito com cano de descarga de vaso sanitário, Santo Antônio confeccionado em legítimo tubo de PVC marca Tigre, quebra-mato feito com cano d’água de 4”, calços de eixos em mogno (o mesmo utilizado nos móveis das Casas Bahia), assoalho com retalhos de alumínio de piso de ônibus, pneus de uso agrícola (recauchutados), guincho feito com sarrilho de poço e equipado com corda de nylon usada em acabamento de carpete, jumelos feitos com as sobras do assoalho de alumínio (reciclar, sempre reciclar!), caixa de direção de carrinho de rolimã, feixes de molas comprados em leilão da RFFSA, braço de direção da Eliana Pitman (autografado), bancos de Ômega (a mancha de sangue é apenas um detalhe, não abro mão do conforto!), ignição equipada com Gasmax, painel com um monte de relóginhos (desligados, é só para impressionar), faróis de longo alcance na traseira, luz de Black-out na dianteira, quatro pares de “cilibim” no teto (pode ser de farol de CG 125), bola de câmbio com caranguejo e ostras, canivete suíço no chaveiro (duas funções apenas, o resto ninguém sabe para que serve) e, como toque final de decoração, um monte de adesivos... da última campanha eleitoral dos EUA (ninguém manja inglês mesmo).

JP: Então, gostou?

JP: ET?

JP: ET, cadê você?


ESTE DIÁLOGO É UMA OBRA DE FICÇÃO, QUALQUER SEMELHANÇA COM FATOS OU PESSOAS É MERA COINCIDÊNCIA.

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