Seguradoras descartam cobertura para carros que gostam da lama
Donos de veículos off-road (fora-de-estrada) nem sempre arriscam afundar os pneus de seus carrões na lama. Muitos preferem desfilar seus 4x4 apenas sobre o asfalto mais ou menos seguro das cidades ou nas estradas. E quando resolverem se aventurar com amigos em travessias de rios e estradinhas precárias no meio do mato será preciso, antes, dar uma boa lida na apólice do seguro. É que as seguradoras não costumam cobrir acidentes e eventualidades que provoquem danos se o automóvel estiver trafegando em situação "de risco". E as trilhas e ralis se enquadram nesse quesito.
Em geral, a cobertura se restringe às situações comuns, ou seja, fora de aventuras e competições. O raciocínio é o mesmo que vale para, por exemplo, automóveis que disputam provas de velocidade no automobilismo. Por estarem sempre próximos do risco, esses carros se tornam inviáveis do ponto de vista do seguro, no raciocínio dos dirigentes das companhias do setor. Os especialistas dizem que o seguro seria tão caro que não compensaria.
"Para veículos cujo uso é somente em vias públicas ou caminhos destinados ao tráfego, a aceitação é normal. Já para os automóveis, informados previamente, que participam de competições oficiais ou não oficiais de rali, não aceitamos segurar", explica Marcos Machini, diretor comercial da Indiana Seguros. Paulo Umeki, da Liberty, observa que antes de se assinar uma apólice para cobertura de um automóvel desse perfil há uma análise individualizada, onde são avaliados quatro aspectos: "O perfil do condutor, o modelo do veículo, o tipo de cobertura desejada e a experiência do cliente conosco. Não focamos este nicho de mercado, conseqüentemente, não investimos na criação de produtos específicos para o segmento", afirma Umeki.
Ele acrescenta que há situações em que os seguros desse tipo de veículo são recusados, principalmente quando a experiência do cliente é desconhecida. "No momento da contratação da apólice convencional deve ser informado se haverá uso fora do padrão normal. Nesse caso, se for mencionado o uso para competições de rali, não haverá aceitação", define Machini, da Indiana.
Ricardo Saad, diretor geral do Bradesco Auto/RE, participa de trilhas e já teve o carro danificado. "Tive que pagar o reparo do meu bolso", conta. A política da companhia é semelhante à das concorrentes. "Analisamos a utilização a que o veículo se presta. Se voltado a rali e trilhas, competições esportivas, não há cobertura contratual. Mas o fato de ser um 4x4 não impede que o seguro seja feito".
Para Saad, as aventuras ampliam muito o risco. "Haveria dificuldades de se avaliar os riscos para efeito de cálculo dos valores da apólice. Imagine uma seguradora que fosse cobrir um Paris-Dakar, cobraria o quê?"
Como o propósito é rejeitar situações de maior risco, de nada adianta, por exemplo, a instalação de itens de segurança como quebra-mato, santo-antônio, etc. "Para este tipo de risco, o acessório funciona mais para o condutor. Quanto à proteção aos veículos, não tem efeito significativo", argumenta Machini, da Indiana Seguros.
"O custo do seguro individualizado depende muito mais da experiência com cada segurado do que qualquer opcional de segurança", acrescenta Umeki. "Nada muda com snorkell, guincho, pneus para lama e asfalto, o que vale é a descrição do sinistro e o questionário do segurado", enfatiza Saad, do Bradesco.
O instrutor de trilhas off-road João Roberto Gaioto, de Curitiba (PR), também passou por uma situação em que teve de bancar os custos do reparo. "Tive uma colisão em trilha com um 4x4, mas já sabendo das regras das seguradoras, nem fui procurar a cobertura. Não adiantaria pedir socorro porque eu estava fora de vias públicas. Assumi o conserto e pronto", conta ele. Sua Land Rover Defender 110, ano 1999, teve seu freio de estacionamento quebrado e desceu alguns metros em direção a outro veículo. Na oficina foram gastos R$ 9 mil. O automóvel estava avaliado em R$ 50 mil.
A criação de apólices específicas para veículos que percorrem trilhas e ralis parece uma realidade distante. Marcos Machini, diretor da Indiana, lembra que os custos de seguros são calculados segundo estatísticas que consideram a quantidade de acidentes em situações cobertas pelo contrato. "Não há alterações no modelo de definição de custos. Até o momento, não detectamos problemas em negativas de indenização por uso de veículos fora das condições de contratação, ou seja, não se percebe demanda para um produto que se destine a cobrir competições ou uso em locais não abertos a tráfego", destaca.
Umeki usa números para reforçar a tese: "Por não ser nosso foco de ação, possuímos menos de 1% de participação nesse segmento". Saad, do Bradesco Auto/RE, também informa que sua empresa tem apenas de 0,5% a 1% da sua carteira geral de clientes dentro desse perfil, "embora esse nicho tenha crescido muito".
Mas Umeki já admite estar acompanhando o desenvolvimento do segmento, e diz que "se mudar o foco de ação, a companhia terá que desenvolver um produto específico que atenda todas às necessidades deste tipo de cliente". (Fonte: Valor Econômico)